JEAN CHARLES


No último domingo uma linda e pequenininha - porém marcante - razão me levou de volta aos bancos do cinema. Fazia muito tempo que não me sentava diante da telona. Tanto tempo que não conseguia me lembrar qual havia sido o último filme visto.

Pausa para parênteses. Não tenho como deixar de lhes revelar que sou um cinéfilo convicto. Sobre cinema conheço muito menos do que eu gostaria. Por mais que eu leia ou assista a filmes sempre me sinto um mero espectador ignorante, embora enormemente apaixonado pela sétima arte.

Apesar de afastado das grandes telas, não deixei de me fartar de grandes filmes, muitos deles obtidos antes mesmo de serem oficialmente lançados no Brasil. Esse, provavelmente, o principal motivo de ter suportado ficar tanto tempo sem ir ao cinema. Fecham-se os parênteses.

O filme escolhido para meu retorno às belas salas das telonas foi Jean Charles, obra que conta a história do homônimo imigrante brasileiro que viaja para a Inglaterra em busca de melhores condições de vida.

Fiquei particularmente tocado pela história, uma vez que é passada na cidade de Londres exatamente na mesma época em que eu havia ido morar na Inglaterra para estudar. As sirenes da polícia sempre ligadas, agentes públicos em alerta, pessoas receosas de um eventual ataque terrorista como forma de represália à participação do Reino Unido na guerra do Iraque - tudo isso vi de perto e pude sentir muito bem recriado na trama.

O roteiro não é ruim. Há razoável descrição dos fatos e o filme não compromete. Ao contrário do que já havia lido, não me parece que a narrativa tenha como propósito principal retratar a dura vida dos brasileiros que se mudam para países desenvolvidos em busca de trabalho e acabam realizando duras jornadas em subempregos mal remunerados.

Na minha opinião, essa realidade, já amplamente divulgada, serve como uma espécie de plano de fundo, de estruturação para a abordagem que se pretender dar ao caráter e à personalidade do protagonista.

Como grande parte dos filmes do gênero, Jean Charles de Menezes é mostrado como um ser humano exemplar, praticamente imune a críticas, o que arranha a fidelidade do filme ao realismo.

Elogiar a atuação do Selton Melton no desempenho do seu papel parece redundante. O sotaque, a forma tenra como tratava as pessoas queridas, a maneira que acolheu e ajudou a prima Vivian, tudo isso ganhou contornos de muita sensibilidade na interpretação do ator.

Também é merecedor de enormes elogios o Luis Miranda, que consegue dar doses certas de humor até mesmo a cenas mais tensas, cuja trama envolve apreensão e angústia. Aliás, não se pode negar que o ator muitas vezes "rouba a cena" quando contracenando com o Selton, o que, por si só, já demonstra seu grande potencial.

O que mais me intrigou no filme foi a opção que o Diretor Henrique Goldman fez para o seu desfecho. Ficou muito clara a sua intenção de demonstrar - e implicitamente protestar - a ausência de punição para os policiais britânicos responsáveis pela morte do brasileiro.

Por mais válido que seja o protesto, ainda me parece ser uma abordagem muito superficial dos fatos. O maior dos absurdos na história do Jean Charles não foi a impunidade de seus algozes, mas a forma como agia o Estado, legitimando condutas criminosas e autoritárias de seus agentes em nome de uma suposta segurança da coletividade.

Esse mal que tanto assolou - e provavelmente ainda assola - a Inglaterra de poucos anos atrás não é exclusivo de países em guerras oficialmente declaradas.

Especialmente em épocas de acontecimentos chocantes, não é raro parcela significante da sociedade clamar por políticas mais duras de combate à violência. Basta olharmos para o dia-a-dia da repressão ao crime na cidade do Rio de Janeiro e encontraremos um Estado autoritário, supressor dos direitos e das garantias individuais do cidadão, seja na atuação da polícia, seja no quase inquisitório modelo de persecução criminal.

Prende-se, atira-se, mata-se primeiro. Raramente, investiga-se depois.

A grande sacada do final do filme seria provocar o público a refletir sobre se esse é o modelo de Estado que todos queremos, independente do momento ser de grande tensão social. Deveria o diretor ter mostrado, indiretamente, que, por mais temerário que seja o contexto em que se vive, sempre será pior aceitar que o poder público aja desrespeitando os direitos dos cidadãos.

Enquanto a sociedade não se debruçar de maneira mais profunda sobre esse tema, superando eventuais revanchismos sociais, este e muitos outros "Jeans Charles" terão morrido em vão.

Apesar das ressalvas, ainda acho que o filme é um bom programa. Vale a ida ao cinema.

Até a próxima.
2 Responses
  1. Unknown Says:

    prefiro muito mais ver era do gelo 3!!
    hehehehehe
    ;)
    ta muito bom isso aqui...adorei


  2. Unknown Says:

    Já eu perfiro muito, muito, muuuuuito mais, tipo dez mil vezes mais, ver 17 outra vez.

    Lu-xo!

    ;)