POEMA DE JOSÉ LUIS PEIXOTO


Há poucos instantes assistia a uma interessantíssima entrevista com o escritor português José Luis Peixoto. Figura aparentemente excêntrica, rompe com os tradicionais estereótipos que normalmente habitam as imaginações quando se pensa na figura de um escritor.

Na mesma proporção de sua excentricidade é também visível a sua sensibilidade e a forma simples, porém belíssima, de fazer poemas absolutamente maravilhosos.

Eu não consegui deixar de compartilhar com vocês, meus queridos leitores, o texto que a seguir transcrevo. Impressionou-me a sutileza e a genialidade com que, de forma marcante, o literato fala do amor da família. Identifiquei-me com o poema, que não tem título e foi extraído da obra "A criança em ruínas".

na hora de pôr a mesa, éramos cinco:

o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs

e eu. depois, a minha irmã mais velha

casou-se. depois, a minha irmã mais nova

casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,

na hora de pôr a mesa, somos cinco,

menos a minha irmã mais velha que está

na casa dela, menos a minha irmã mais

nova que está na casa dela, menos o meu

pai, menos a minha mãe viuva. cada um

deles é um lugar vazio nesta mesa onde

como sozinho. mas irão estar sempre aqui.

na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.

enquanto um de nós estiver vivo, seremos

sempre cinco.


Até a próxima.

TEOBALDO, LURDINHA E LEÔNCIO, O PLANTONISTA


Eram 18 horas quando o celular de Lurdinha estrilhou, indicando que acabara de receber uma nova mensagem de texto. — É ele, tem que ser mensagem dele! — pensava, ansiosa. Ao repousar seus olhos sobre o visor do aparelho, sentiu uma deliciosa sensação de alívio. "Estou chegando pra te buscar. Me encontre no 3º andar, perto dos elevadores. Tô morrendo de saudades. Bjs, Téo."

Lurdinha trabalhava em uma loja de moda feminina em um badalado shopping do Rio de Janeiro. Bastou ler aquelas curtas frases de seu fervoroso amante que, imediatamente, despediu-se das colegas de trabalho e saiu correndo em direção ao lugar do encontro.

Assim que punha os olhos em Teobaldo, Lurdinha mal conseguia se controlar. Queria beijá-lo ali mesmo, no meio do shopping, sem nenhum pudor com quem quer que estivesse olhando.

— Calma meu amor! — advertiu Teobaldo. Podem ver a gente aqui, desse jeito. Depois vai dar problema com teu marido.

— Tá bem. Mas então vamos logo! Eu tô morrendo de saudades de você. — retrucou Lurdinha. Ao saírem em direção ao carro, emendou: — Olha, não posso demorar, viu? Se eu chegar muito tarde em casa o Leôncio vai desconfiar. Hoje mesmo ele já me ligou perguntando se eu estava indo embora, mas menti dizendo que vou trabalhar até às 21 horas.

— E ele acreditou?

— É claro, ué. Ele acredita em tudo que eu digo. Mas não posso abusar. E, de mais a mais, hoje ele vai trabalhar até tarde; tem plantão.

Mal entraram no carro e Teobaldo se lançou sobre Lurdinha e começou a beijá-la com um furor que despertava os seus desejos mais profundos. Era claramente perceptível a forma como a jovem se arrepiava e se entregava, de olhos fechados, ao deleite provocado pelo amado.

Para Teobaldo, aquela cena era um prazer à parte. Adorava ver aquela mulher, que ainda guardava traços de menina, se desconsertando ao sabor da regência de seus toques. O calor que envolvia o casal aumentava a cada suspiro e os amantes, que pretendiam se refugiar em um motel mais próximo, acabaram fazendo daquele automóvel de vidros negros o seu recanto dionisíaco.

No dia seguinte a rotina se repetiu. Exatamente às 18 horas o celular de Lurdinha apitava avisando que chegara uma nova mensagem de Teobaldo. No entanto, ao contrário do dia anterior, a bela jovem experimentou uma curiosa sensação de medo e excitação. Mesmo hesitante, correu para encontrar o homem que estremecia todas as suas convicções.

— Téo, você sabe como sou louca por você. Eu saio de perto de você desejando te ter de novo. Mas, infelizmente, vamos ter que parar de nos ver! — desabafou Lurdinha antes mesmo de cumprimentar Teobaldo.

— Mas porque? — retrucou, incrédulo.

— Tenho certeza que o Leôncio está desconfiado. Ontem, depois que cheguei em casa, ele começou a falar coisas irônicas, dizendo que eu iria ficar rica, já que estava fazendo muita hora extra. Pra parecer normal, eu tentei dar carinho a ele, mas ele virou pro lado e disse que ia dormir. Antes de pegar no sono ainda falou que nunca viu ninguém chegar tão cansada e, ao mesmo tempo, tão feliz e sorridente em casa após uma dia inteiro de trabalho.

— Bem, não quero te atrapalhar, mas vou ficar com saudades. — insistiu Teobaldo.

— Pelo menos por um tempo vamos fazer assim meu amor, até as coisas se acalmarem.

Antes que Teobaldo pudesse tentar convençê-la a mudar de ideia, Lurdinha jogou seu lindo, provocante e jovem corpo sobre seu amado e pediu, sussurrando, ao pé de seu ouvido: — Agora vem aqui e se despede de mim do jeito que só você sabe fazer, vem?!

Após aquela noite, Lurdinha passou a chegar em casa todos os dias às 19 horas. Tomava seu banho, colocava sua camisola e esperava Leôncio chegar do plantão em que trabalhava como médico em um hospital público.

Apesar de dizer para o marido que estava aliviada por poder descansar mais em razão de ter muito menos trabalho do que quando fazia horas extras, Lurdinha não conseguia disfarçar sua desmotivação. Embora o marido fizesse todos os esforços possíveis para agradá-la, a bela ninfeta só conseguia esboçar sorrisos indubitavelmente forçados.

Incomodado com aquela situação, Leôncio pôs-se a indagar a companheira:

— Meu amor, o que está acontecendo? Tenho te achado tão triste! Logo agora que está trabalhando menos. O que eu posso fazer pra te deixar feliz? Me diz? Faço qualquer coisa por você, minha vida!

— Não tem nada, Léo. Você que está com besteira na cabeça. Estou normal... — respondeu Lurdinha, sem nenhum poder de convencimento.

— Não é possível! Nem quando fazemos amor você parece gostar! A todo momento tenho a sensação de que você tá apenas cumprindo uma espécie de obrigação. Não parece ter nenhuma excitação, prazer, desejo por mim... — lamentava, incrédulo, o médico.

— Léo, já disse que não tem nada disso! É impressão sua. Vem aqui vem.

Ao dizer essas palavras Lurdinha tentou, desmotivadamente, puxar Leôncio para si. Dessa vez, entretanto, para surpresa da bela esposa, seu marido se negou a cair em seus braços. Enfurecido, bradou, num furor de um homem notoriamente desesperado:

— Não! Desse jeito não quero mais! Estou de saco cheio de não ter você de verdade pra mim! Você tá sempre longe, em outro mundo. Pensa o quê? Fico me sentindo o pior dos homens!

— Mas meu amor, estou querendo te dar carinho. — insistia, estupefata, Lurdinha.

— Não, assim não quero mais. Nem hoje, nem nunca mais. Só vamos voltar a ter uma vida de marido e mulher com uma condição. — sentenciou o plantonista.

— Mas o que quer que eu faça, Léo?

— Só vou voltar a ser seu marido de verdade e te aceitar aqui em casa como minha esposa se voltar a fazer suas horas extras! Não me interessa até que horário vai trabalhar, nem quantas vezes ao dia ou por semana terás que fazer horas extras. Só quero que você volte a sorrir e chegar nesta casa com aquela expressão feliz, que todos notavam, de mulher realizada! Só assim volto a ser seu marido. Do contrário, está tudo acabado!

Lurdinha, incrédula, virou para o lado e tentou dormir. Passou a noite em claro, pensando no que deveria fazer. Após algumas horas, um pequeno sorriso parecia se desenhar em seu rosto.

No dia seguinte, às 18 horas, o celular de Lurdinha estrilhou. Era Teobaldo.

Até a próxima.

DE VOLTA, COM O HEXA


Inicio o post de hoje pedindo desculpas aos meus queridos leitores por ter estado tão ausente, praticamente sem postar nada nos tempos mais recentes. A vida, por vezes, atravessa períodos mais conturbados, difíceis, amargurados e, em razão disso, não é raro perdermos a motivação de nos esforçarmos para continuar alguma coisa.

Mas esse é, provavelmente, o discurso dos derrotados. Não se pode parar com o que nos faz bem atribuindo o êxito do fracasso às dificuldades do dia-a-dia. É preciso que esses obstáculos sejam o tempero do cotidiano, peças de um mosaico de desafios que pedem para serem superados.

Foi assim com meu amado e indescritível Flamengo em sua trajetória no campeonato brasileiro de 2009. Com todos os problemas financeiros e de péssima gestão, um seleto grupo de jogadores e de comissão técnica, empurrados por uma inacreditável e gigantesca torcida, saiu lá de baixo da tabela, onde fazia uma campanha medíocre, e chegou ao ápice da glória do futebol brasileiro.

Meu final de semana foi de agonia, apreensão, fé e, por fim, festa, muita festa (é bem verdade que teve outros bons momentos nesse interregno). Finalmente pude entender o que é a sensação de ver o time mais amado do Brasil - e me orgulho em dizer que sou um de seus apaixonados amantes - ser campeão do maior e principal campeonato do país do futebol.

Há dezessete anos atrás, quando fui testemunha ocular do pentacampeonato rubro-negro, a pouca idade (apenas 9 anos de vida) não me permitia ter a dimensão do quão sublime é o gosto dessa vitória. Entretanto, naquele tempo eu já podia sentir o arrepio percorrendo cada centímetro do corpo quando a taça do brasileirão era levantada diante de um maracanã pintado de vermelho e preto.

Hoje o gosto é ainda melhor. Não apenas pelo título ganho, mas pelo que significa essa conquista. É a comprovaçãode que não é apenas de números e de belas estratégias formuladas por cartolas profissionais que vive um time.

O Flamengo demonstrou que nós encontramos a nossa maior força no amor, na paixão, na raça, no grito de um maracanã, de uma cidade, de um país de apaixonados torcedores rubro-negros.

Parabéns à nossa nação! Que no próximo ano as vitórias sejam ainda mais presentes em nossos dias e que - acho que não é pedir demais - possamos, também, ter uma presidência e uma direção dignas de aplausos.

Por fim, voltando ao assunto que iniciou esse texto, após a inspiração e a lição de superação do Flamengo, trago de volta à ativa esta TRIBUNA. Uma crônica de inegável inspiração rodriguiana está por vir. Espero cada um de vocês no meu próximo texto, quando lhes contarei a apimentada história protagonizada por Teobaldo, Lurdinha e Leôncio, o plantonista.

Até a próxima.