O ÉBRIO APAIXONADO


Era a septuagésima sétima vez que Eriberto ligava para sua amada e escutava uma gélida voz anunciando que caíra, novamente, na caixa postal. A cada ligação perdida, dava mais um gole nos diversos copos de chope que haviam passado por sua mesa, estrategicamente colocada ao fundo de um bar próximo de sua casa. Já não aguentava tanto desprestígio e, depois de outra bebericada em sua bebida, decidiu partir em direção ao apartamento de Roselita.


De frente para o edifício, um prédio sem portaria, com interfone em que um teclado exibia o número de cada um dos apartamentos, Eriberto percebeu que não fazia ideia de qual deveria tocar.


Encorajado pelo álcool que roubava-lhe os sentidos e amparado na sorte, aventurou-se no método da tentativa e erro para tentar fazer contato com a mulher que o transtornava.


Por volta de três e meia da manhã, tocou o interfone de vários apartamentos. Da rua silenciosa, podia-se ouvir o som que vinha de dentro daquele pequeno prédio a cada vez que um aparelho estrilhava.


Das frestas de sua janela, Joana observava a via crucis do pobre diabo apaixonado, enquanto aguardava ansiosa por uma oportunidade de seu interfone também soar.


Sem qualquer discernimento ou capacidade de se recordar quais os números já havia chamado, Eriberto prosseguia com sua tentativas inconvenientes, despertando os moradores daquele pequeno prédio madrugada adentro.


Entre reclamações e impropérios que ouvia como forma de protesto por seu atrevimento, escutou uma acalentadora voz feminina atender a um de seus chamados.


— Alô, Roselita? É você?


— Não, aqui quem fala é a Joana. A Roselita não mora aqui.


— Não? Desculpa, mas você saberia me dizer qual é o apartamento dela? — indagou, atrapalhado.


— Faz o seguinte, sobe aqui. Vem até meu apartamento. Toma uma água e aí conversamos sobre isso, pode ser?


Sem perspectiva de qualquer outra alternativa mais interessante, Eriberto atendeu à sugestão da voz que emanava daquele aparelho inanimado.


Ao chegar no apartamento de Joana, surpreendeu-se com a receptividade com que ela o esperava. Estacada no meio de sua sala, Joana vestia apenas um minúsculo baby doll completamente transparente. Por debaixo da roupa provocante, podia-se ver os contornos de um corpo que mais se assemelhava a uma visão do paraíso.


Joana era uma tentação em forma de mulher. Dona de um corpo moreno bronzeadíssimo, exibia em seu colo sensuais marcas do biquíni que usava para tomar sol. Os seios arrebitados, do tamanho de peras maduras, pareciam aptos a furar o fino tecido de suas vestes noturnas. Acima do sexo, liso e nu, podia-se perceber uma pequena tatuagem com a inscrição “Love” dentro de um coração vermelho.


Decidida, Joana pediu ao ébrio apaixonado que se aproximasse mais e, ao seu ouvido, sussurrando, disse-lhe que estava encantada com a sua determinação e sensibilidade. Contava-lhe que sempre sonhou com um homem que fizesse qualquer coisa para tê-la, mesmo que para isso precisasse acordar um prédio, uma rua, uma cidade inteira. Sem pestanejar, fez a proposta que deixaria Eriberto ainda mais excitado:


— Vem aqui, vem? Vem fazer comigo tudo que você queria fazer a noite inteira com a Roselita. Eu deixo, vem? Aliás, eu quero. Quero muito você. Sou todinha sua. — provocava Joana, já sentada em sua cama, com o corpo seminu.


— Tem certeza? Posso mesmo? Não tá brincando comigo não, né? — retrucou, incrédulo, Eriberto.


— Pode não, deve! Vem! Faz comigo tudo o que você queria fazer com a Roselita, faz?


Com uma habilidade de poucos, Eriberto desvencilhou-se dos calçados com dois chutes no ar. Arrancou a camisa com um golpe brusco e livrou-se de suas calças apressadamente. Como um animal sedento, correu em direção à Joana e lançou-se ao seu lado na cama. Deitado, puxou-a para os seus braços, abraçou-a com fervor, procurou uma confortável posição em forma de conchinha e dormiu o sono dos anjos.


Até a próxima.

APLAUSOS AMARGOS


Toda a sua vida havia sido dedicada ao teatro. Desde novo já dizia para os pais que queria ser ator. Quando no final da sua adolescência, matriculou-se na mesma escola teatral em que, após a conclusão do seu curso, viria a ser professor.

Fez faculdade de artes cênicas e se formou em um belo curso de direção teatral na conceituada Universidade Federal do Rio de Janeiro. Era dono de um currículo invejável e sempre provocava suspiro nos seus alunos no primeiro dia de aula, quando apresentava-lhes suas qualificações. A não ser por nunca ter trabalhado em nenhuma peça, teria a carreira dos sonhos de todo novo estudante de teatro.

Durante a as suas aulas, só havia uma pergunta que lhe desconsertava. Era quando, curioso, algum jovem estudante indagava-lhe sobre qual havia sido sua última peça. Ruborizado, tentava explicar que dedicava sua vida a formar novos atores, que seu maior prazer era ver seus pupilos em maestrais apresentações pelos palcos Brasil afora. Era uma justificativa bonita, um gesto altruísta, mas, na verdade, ninguém conseguia compreender porque alguém tão preparado nunca havia pisado, seja como ator, autor ou diretor, em um palco.

Certo dia, o rumo da vida de Adolfo começou a mudar. Foi em uma segunda feira, às nove da manhã, quando se apresentava para uma nova turma de interpretação teatral, que não conseguiu deixar de se hipnotizar pela presença de Anita. Enquanto anunciava, orgulhoso, suas conquistas curriculares, percebeu que aquela jovem ruiva parecia devorar-lhe com os olhos. Era uma mulher estonteante. Com traços de menina, exibia um lindo decote que valorizava seus seios fartos, firmes e provocantes. Por baixo de sua blusa, os mamilos rígidos anunciavam que não era adepta do sutien. Adolfo salivava. Ficava perdido em meio à tanta exuberância.

Tentava repelir seus pensamentos, mas a verdade é que não dava para negar que Anita estava dedicada a lhe provocar. Os dias e as aulas se sucediam e quanto mais a bela jovem percebia as reações embaralhadas de Adolfo, mais parecia querer tirar-lhe do sério.

Quando os olhares de professor e aluna se cruzavam, Anita, com a boca entreaberta, passava leve e vagarosamente a língua por toda a extensão do seu lábio superior. Por vezes era ainda mais cruel. Mordiscava o dedo polegar de sua mão direita e o deixava repousado sobre seu lábio, fazendo movimentos circulares com a língua em volta da falangeta, já completamente umedecida.

Um belo dia, ao final de uma aula, após todos os alunos terem saído da sala, Anita dirigiu-se vagarosamente a Adolfo. Enquanto notava a aproximação de sua aluna, o jovem professor tremia nas entranhas. Percebia o andar cadenciado, a rítmica provocante, as curvas exuberantes e o olhar fatal que Anita jogava sobre ele.

— Professor, eu fico até meio sem jeito de te pedir isso... não sei nem como dizer. — falou Anita, com os olhos fincados em Adolfo e a língua a umedecer os lábios.

— Que isso, Anita?! Pode me dizer qualquer coisa. Não há porque existir timidez ou qualquer protocolo entre nós. — respondeu, atrapalhado, Adolfo, percebendo que deixara escapar um prenúncio de seus desejos.

— Ah é, professor? Que bom saber disso! Assim eu fico muito mais a vontade... — dizia Anita em tom de provocação. Aproximou-se mais um pouco e, junto ao ouvido de Adolfo, sussurrou: — meu sonho era ver você escrever e dirigir uma peça em que a protagonista fosse inspirada em mim. Ai — dizia, suspirando e passando os dedos pelo colo desnudado — eu daria tudo, faria tudinho pra ter um presente desse... tudinho mesmo... — finalizou a formosa aluna em sussurros que se confundiam com gemidos contidos ao pé do ouvido de Adolfo.

Os dias que se sucederam foram de intenso trabalho na elaboração de uma peça com inspiração notadamente rodriguiana. Enquanto escrevia o enredo de sua história, Adolfo perdia-se na sua imaginação: um misto de fantasias sexuais por Anita e uma ansiedade receosa dos desdobramentos de sua peça. Todas as noites rezava para que seu espetáculo fosse um sucesso. Seria o primeiro passo para encontrar morada no paradisíaco corpo da ruiva de seus sonhos.

No dia da estréia Adolfo era uma pilha de nervos. Havia trabalhado incessantemente durante todos os dias ao longo de um ano e meio. Diuturnamente o desejo nutrido por Anita lubrificava suas engrenagens e dava-lhe ânimo para prosseguir em sua empreitada. Nada podia dar errado naquele momento. Havia chegado a hora. Adolfo estava certo de que se sua peça fizesse sucesso finalmente Anita seria sua, só sua. E como aquele desejo lhe fazia bem! Não havia nada que almejava mais do que ter sua jovem e bela aluna repousando em suas braços.

O teatro não parava de encher. Uma hora antes do início do espetáculo todos lugares já estavam ocupados. O público estava ávido pela estreia daquele teatrólogo tão qualificado.

A peça foi encenada exatamente do jeito que fora imaginada por seu autor e diretor. Tudo transcorreu perfeitamente bem. Da coxia, Adolfo observava o público, silencioso, após as cortinas se fecharem. A expectativa o fazia suar frio, ansioso por saber como seria a recepção de sua obra. Segundos se passaram em que a quietude do silêncio revelava-se ensurdecedora para Adolfo. De repente, como uma espécie de gesto de gratidão pela inspiração rodriguiana, a plateia uniu-se em um efusivo aplauso de pé: — O autor, o autor! — pediam os espectadores maravilhados.

Havia sido a noite dos sonhos para aquele amante do teatro. Mas ainda lhe faltava o mais essencial: Anita. Corria os olhos pela pelo público e não conseguia destacar sua musa daquele mosaico de pessoas sorridentes. Sorumbático, recolhido à coxia, perdido em pensamentos saudosistas, foi surpreendido por sua assistente, que anunciava a chegava de sua aluna mais ilustre, pedindo para falar-lhe reservadamente.

Aturdido, Adolfo saltou em direção à sua musa. Com um sorriso enigmático e mordiscando o lábio inferior, Anita abraçou o professor, deu-lhe um beijo vagaroso na face direita e, suspirando em seu ouvido, disse-lhe baixinho:

—Parabéns pelo sucesso professor! E muito obrigada. Você é um anjo. Quando meu ex-marido, que é diretor de teatro, soube do sucesso que ia fazer uma peça que o senhor escreveu pra mim, veio correndo me pedir pra voltar. Não sei o que seria de mim sem o senhor. Vou pensar em você todos os dias que for deitar ao lado dele. Nunca vou te esquecer...

Depois de mais receber mais um beijo no rosto, o pobre diabo viu aquela silhueta encantadora esvair-se na penumbra das estreitas passagens dos bastidores do palco.

Enrijecido, excitado, paralisado e incrédulo, Adolfo vivenciava o último ato do seu maior sonho e o tema de seu próximo espetáculo. Como seu mestre, amargava o sabor da vida como ela é.

Até a próxima.

ARLETE, A BEATA DEFLORADA


Desde quando a mãe havia se divorciado de seu pai, Arlete estava inconformada. Como religiosa fervorosa, não admitia a hipótese da separação. Acreditava, pia e inocentemente, que os casamentos deveriam ser para sempre. Muito mais que uma união de corpos, seriam uma fusão de almas. "O que Deus uniu o homem não separa", pensava.

A distância do pai e a proximidade diuturna do padrasto fizeram com que ela mergulhasse cada vez mais na sua beatice já destacada. Vivia para a igreja, suas orações e para a dedicação a uma vida santa.

Seu maior conflito existencial era não suportar Jonas, o homem com quem sua mãe se casara. Detestava aquele homem. Toda vez que o via sentia-se na obrigação de se debruçar em orações, tamanho o ódio dentro dela despertado, tal qual um vulcão adormecido que acaba de entrar em erupção.

Embora travasse uma batalha consigo mesma na tentativa de "aprender" a amar fraternalmente Jonas, via-se sempre vencida por seus sentimentos mais cabulosos. O remorso era visceral. Chorava por ser dona de uma paixão tão maledicente. Paradoxalmente, tentava, de maneira involuntária, arrefecer sua culpa lembrando dos vícios e descalabros do padrasto.

As impressões da jovem eram, provavelmente, acertadas. Jonas chegava em casa todos os dias bêbado. Por vezes não sabia seu nome ou onde morava. Tinha de ser amparado por amigos de copo e carregado até sua residência. Ao chegar ao seu lar, sempre importunava a religiosa e bela enteada:

– Esse negócio de igreja, de Bíblia... a mim você não engana! Deve é estar dando pro pastor. Quer dizer, pro padre, né? Pro padre. Desculpe, eu tinha até esquecido que seu negócio é a batina. – dizia, jocosa e desrespeitosamente, Jonas.

Arlete não suportava mais aquela situação. Certa vez, inconformada com tanta humilhação, resolveu buscar socorro maternal, relatando a Esmeralda todos os absurdos a que o padrasto frequentemente a submetia.

A reação da mãe foi inesperada. Desferiu um tapa na face esquerda de Arlete e determinou, incisivamente, que nunca mais maldissesse seu marido daquela forma.

– Eu até entendo que você sofra com a minha separação do seu pai. Agora, inventar um absurdo, uma maldade dessa do Jonas, que tanto te ama, eu não vou tolerar! Não repita isso, nunca mais, entendeu bem?!

Sôfrega e desolada com o descaso e a falta de confiança de sua mãe, Arlete trancou-se no seu mundo. Só trajava vestidos negros, com véus igualmente escuros cobrindo a fronte. Agarrada a uma Bíblia, só saía de casa para suas orações e missas na igreja.

Certo dia, acreditando estar só, foi menos prudente e começou a trocar suas roupas com a porta do quarto entreaberta. Jonas, que acabara de chegar silenciosamente, não acreditava no que via. Despida de suas vestas negras, Arlete era um pecado em forma de mulher. Os cabelos ruivos deitavam-se sobre suas costas à mesma altura dos seios arrebitados como peras maduras. De perfil, revelava uma silhueta ainda mais provocante. O padrasto salivava ao observar as curvas que habitavam um aquele corpo jovem, intacto, a espera de ser deflorado. Os mamilos arrepiados e rosados apontando, obliquamente, para os céus, os olhos verdes, a bexiga nua e os glúteos firmes tiraram Jonas do sério.

Fora de si, abriu a porta com um safanão e se jogou sobre a enteada. Sem forças para se desvencilhar daquele homem musculoso, Arlete sentiu um membro rijo e pulsante invadir seu corpo, retirando-lhe a inocência tão cultivada.

Os dias que se passaram foram de lamentações. A jovem beata não conseguia sair de casa nem mesmo para ir à igreja. Tinha medo de contar o ocorrido para sua mãe e, novamente, ser esbofeteada. Já passara por muitos constrangimentos. Não precisava de mais esse.

Quando pensava no padrasto, sentia náuseas, nojo, enjôo e ódio. Também era tomada por um furor inexplicável, causado pelas memórias do dia em que fora deflorada. Ao mesmo tempo em que odiava, percebia seu corpo esquentar, seus mamilos se enrijecerem e uma explosão de umidade alagar seu sexo.

Todos os dias, às três da tarde, olhava com os olhos marejados a porta do seu quarto, sabendo que, em instantes, ali entraria Jonas, disposto a submetê-la aos seus desejos.

Certa vez, inesperadamente Esmeralda chegou à casa e se deparou com Jonas sobre sua filha. Transtornada, muniu-se de uma vassoura e desferiu vários golpes sobre a cabeça do marido, que caiu tonto. Aos socos e pontapés, pôs o homem seminu para fora de casa, determinando-lhe que nunca mais ali voltasse ou tocasse em sua filha.

Abraçada à filha, Esmeralda chorava e pedia seu perdão por nela não ter acreditado. Arlete, inexpressiva, pediu que a mãe a deixasse sozinha.

Quinze minutos depois, quando Jonas sentava em um bar para pedir a primeira cerveja e afogar as mágoas do que acabara de acontecer, seu celular estrilhou.

– Amanhã minha mãe vai ficar em casa, mas no dia seguinte, às três, vou estar sozinha, no quarto te esperando.

Era Arlete.

Até a próxima.