POEMA DE JOSÉ LUIS PEIXOTO


Há poucos instantes assistia a uma interessantíssima entrevista com o escritor português José Luis Peixoto. Figura aparentemente excêntrica, rompe com os tradicionais estereótipos que normalmente habitam as imaginações quando se pensa na figura de um escritor.

Na mesma proporção de sua excentricidade é também visível a sua sensibilidade e a forma simples, porém belíssima, de fazer poemas absolutamente maravilhosos.

Eu não consegui deixar de compartilhar com vocês, meus queridos leitores, o texto que a seguir transcrevo. Impressionou-me a sutileza e a genialidade com que, de forma marcante, o literato fala do amor da família. Identifiquei-me com o poema, que não tem título e foi extraído da obra "A criança em ruínas".

na hora de pôr a mesa, éramos cinco:

o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs

e eu. depois, a minha irmã mais velha

casou-se. depois, a minha irmã mais nova

casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,

na hora de pôr a mesa, somos cinco,

menos a minha irmã mais velha que está

na casa dela, menos a minha irmã mais

nova que está na casa dela, menos o meu

pai, menos a minha mãe viuva. cada um

deles é um lugar vazio nesta mesa onde

como sozinho. mas irão estar sempre aqui.

na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.

enquanto um de nós estiver vivo, seremos

sempre cinco.


Até a próxima.

TEOBALDO, LURDINHA E LEÔNCIO, O PLANTONISTA


Eram 18 horas quando o celular de Lurdinha estrilhou, indicando que acabara de receber uma nova mensagem de texto. — É ele, tem que ser mensagem dele! — pensava, ansiosa. Ao repousar seus olhos sobre o visor do aparelho, sentiu uma deliciosa sensação de alívio. "Estou chegando pra te buscar. Me encontre no 3º andar, perto dos elevadores. Tô morrendo de saudades. Bjs, Téo."

Lurdinha trabalhava em uma loja de moda feminina em um badalado shopping do Rio de Janeiro. Bastou ler aquelas curtas frases de seu fervoroso amante que, imediatamente, despediu-se das colegas de trabalho e saiu correndo em direção ao lugar do encontro.

Assim que punha os olhos em Teobaldo, Lurdinha mal conseguia se controlar. Queria beijá-lo ali mesmo, no meio do shopping, sem nenhum pudor com quem quer que estivesse olhando.

— Calma meu amor! — advertiu Teobaldo. Podem ver a gente aqui, desse jeito. Depois vai dar problema com teu marido.

— Tá bem. Mas então vamos logo! Eu tô morrendo de saudades de você. — retrucou Lurdinha. Ao saírem em direção ao carro, emendou: — Olha, não posso demorar, viu? Se eu chegar muito tarde em casa o Leôncio vai desconfiar. Hoje mesmo ele já me ligou perguntando se eu estava indo embora, mas menti dizendo que vou trabalhar até às 21 horas.

— E ele acreditou?

— É claro, ué. Ele acredita em tudo que eu digo. Mas não posso abusar. E, de mais a mais, hoje ele vai trabalhar até tarde; tem plantão.

Mal entraram no carro e Teobaldo se lançou sobre Lurdinha e começou a beijá-la com um furor que despertava os seus desejos mais profundos. Era claramente perceptível a forma como a jovem se arrepiava e se entregava, de olhos fechados, ao deleite provocado pelo amado.

Para Teobaldo, aquela cena era um prazer à parte. Adorava ver aquela mulher, que ainda guardava traços de menina, se desconsertando ao sabor da regência de seus toques. O calor que envolvia o casal aumentava a cada suspiro e os amantes, que pretendiam se refugiar em um motel mais próximo, acabaram fazendo daquele automóvel de vidros negros o seu recanto dionisíaco.

No dia seguinte a rotina se repetiu. Exatamente às 18 horas o celular de Lurdinha apitava avisando que chegara uma nova mensagem de Teobaldo. No entanto, ao contrário do dia anterior, a bela jovem experimentou uma curiosa sensação de medo e excitação. Mesmo hesitante, correu para encontrar o homem que estremecia todas as suas convicções.

— Téo, você sabe como sou louca por você. Eu saio de perto de você desejando te ter de novo. Mas, infelizmente, vamos ter que parar de nos ver! — desabafou Lurdinha antes mesmo de cumprimentar Teobaldo.

— Mas porque? — retrucou, incrédulo.

— Tenho certeza que o Leôncio está desconfiado. Ontem, depois que cheguei em casa, ele começou a falar coisas irônicas, dizendo que eu iria ficar rica, já que estava fazendo muita hora extra. Pra parecer normal, eu tentei dar carinho a ele, mas ele virou pro lado e disse que ia dormir. Antes de pegar no sono ainda falou que nunca viu ninguém chegar tão cansada e, ao mesmo tempo, tão feliz e sorridente em casa após uma dia inteiro de trabalho.

— Bem, não quero te atrapalhar, mas vou ficar com saudades. — insistiu Teobaldo.

— Pelo menos por um tempo vamos fazer assim meu amor, até as coisas se acalmarem.

Antes que Teobaldo pudesse tentar convençê-la a mudar de ideia, Lurdinha jogou seu lindo, provocante e jovem corpo sobre seu amado e pediu, sussurrando, ao pé de seu ouvido: — Agora vem aqui e se despede de mim do jeito que só você sabe fazer, vem?!

Após aquela noite, Lurdinha passou a chegar em casa todos os dias às 19 horas. Tomava seu banho, colocava sua camisola e esperava Leôncio chegar do plantão em que trabalhava como médico em um hospital público.

Apesar de dizer para o marido que estava aliviada por poder descansar mais em razão de ter muito menos trabalho do que quando fazia horas extras, Lurdinha não conseguia disfarçar sua desmotivação. Embora o marido fizesse todos os esforços possíveis para agradá-la, a bela ninfeta só conseguia esboçar sorrisos indubitavelmente forçados.

Incomodado com aquela situação, Leôncio pôs-se a indagar a companheira:

— Meu amor, o que está acontecendo? Tenho te achado tão triste! Logo agora que está trabalhando menos. O que eu posso fazer pra te deixar feliz? Me diz? Faço qualquer coisa por você, minha vida!

— Não tem nada, Léo. Você que está com besteira na cabeça. Estou normal... — respondeu Lurdinha, sem nenhum poder de convencimento.

— Não é possível! Nem quando fazemos amor você parece gostar! A todo momento tenho a sensação de que você tá apenas cumprindo uma espécie de obrigação. Não parece ter nenhuma excitação, prazer, desejo por mim... — lamentava, incrédulo, o médico.

— Léo, já disse que não tem nada disso! É impressão sua. Vem aqui vem.

Ao dizer essas palavras Lurdinha tentou, desmotivadamente, puxar Leôncio para si. Dessa vez, entretanto, para surpresa da bela esposa, seu marido se negou a cair em seus braços. Enfurecido, bradou, num furor de um homem notoriamente desesperado:

— Não! Desse jeito não quero mais! Estou de saco cheio de não ter você de verdade pra mim! Você tá sempre longe, em outro mundo. Pensa o quê? Fico me sentindo o pior dos homens!

— Mas meu amor, estou querendo te dar carinho. — insistia, estupefata, Lurdinha.

— Não, assim não quero mais. Nem hoje, nem nunca mais. Só vamos voltar a ter uma vida de marido e mulher com uma condição. — sentenciou o plantonista.

— Mas o que quer que eu faça, Léo?

— Só vou voltar a ser seu marido de verdade e te aceitar aqui em casa como minha esposa se voltar a fazer suas horas extras! Não me interessa até que horário vai trabalhar, nem quantas vezes ao dia ou por semana terás que fazer horas extras. Só quero que você volte a sorrir e chegar nesta casa com aquela expressão feliz, que todos notavam, de mulher realizada! Só assim volto a ser seu marido. Do contrário, está tudo acabado!

Lurdinha, incrédula, virou para o lado e tentou dormir. Passou a noite em claro, pensando no que deveria fazer. Após algumas horas, um pequeno sorriso parecia se desenhar em seu rosto.

No dia seguinte, às 18 horas, o celular de Lurdinha estrilhou. Era Teobaldo.

Até a próxima.

DE VOLTA, COM O HEXA


Inicio o post de hoje pedindo desculpas aos meus queridos leitores por ter estado tão ausente, praticamente sem postar nada nos tempos mais recentes. A vida, por vezes, atravessa períodos mais conturbados, difíceis, amargurados e, em razão disso, não é raro perdermos a motivação de nos esforçarmos para continuar alguma coisa.

Mas esse é, provavelmente, o discurso dos derrotados. Não se pode parar com o que nos faz bem atribuindo o êxito do fracasso às dificuldades do dia-a-dia. É preciso que esses obstáculos sejam o tempero do cotidiano, peças de um mosaico de desafios que pedem para serem superados.

Foi assim com meu amado e indescritível Flamengo em sua trajetória no campeonato brasileiro de 2009. Com todos os problemas financeiros e de péssima gestão, um seleto grupo de jogadores e de comissão técnica, empurrados por uma inacreditável e gigantesca torcida, saiu lá de baixo da tabela, onde fazia uma campanha medíocre, e chegou ao ápice da glória do futebol brasileiro.

Meu final de semana foi de agonia, apreensão, fé e, por fim, festa, muita festa (é bem verdade que teve outros bons momentos nesse interregno). Finalmente pude entender o que é a sensação de ver o time mais amado do Brasil - e me orgulho em dizer que sou um de seus apaixonados amantes - ser campeão do maior e principal campeonato do país do futebol.

Há dezessete anos atrás, quando fui testemunha ocular do pentacampeonato rubro-negro, a pouca idade (apenas 9 anos de vida) não me permitia ter a dimensão do quão sublime é o gosto dessa vitória. Entretanto, naquele tempo eu já podia sentir o arrepio percorrendo cada centímetro do corpo quando a taça do brasileirão era levantada diante de um maracanã pintado de vermelho e preto.

Hoje o gosto é ainda melhor. Não apenas pelo título ganho, mas pelo que significa essa conquista. É a comprovaçãode que não é apenas de números e de belas estratégias formuladas por cartolas profissionais que vive um time.

O Flamengo demonstrou que nós encontramos a nossa maior força no amor, na paixão, na raça, no grito de um maracanã, de uma cidade, de um país de apaixonados torcedores rubro-negros.

Parabéns à nossa nação! Que no próximo ano as vitórias sejam ainda mais presentes em nossos dias e que - acho que não é pedir demais - possamos, também, ter uma presidência e uma direção dignas de aplausos.

Por fim, voltando ao assunto que iniciou esse texto, após a inspiração e a lição de superação do Flamengo, trago de volta à ativa esta TRIBUNA. Uma crônica de inegável inspiração rodriguiana está por vir. Espero cada um de vocês no meu próximo texto, quando lhes contarei a apimentada história protagonizada por Teobaldo, Lurdinha e Leôncio, o plantonista.

Até a próxima.

ORAÇÃO AOS CALOUROS


Há alguns dias atrás lembrei-me, subitamente, de um caso sensacional contado por meu saudoso Tio Juarez.

Aliás, permitam-me que eu me corrija, meus queridos leitores. Não foi subitamente, nem ao acaso que me deparei com tão afável lembrança, mas quando estava com amigos e familiares em um sensacional botequim na cidade de Campos dos Goytacazes, RJ.

Conversávamos sobre os tempos de outrora quando, entre um e outro copo da mais gelada e deliciosa cerveja (é sempre muito melhor quando acompanhada de pessoas amadas), me interpelaram:

— Ô Felipe, como é mesmo aquela história do Juju? Aquela que ele contava que, no científico (assim era chamado o ensino médio de tempos idos), se vestia de padre e fazia uma reza pra sacanear os calouros...

Pausa para breves parênteses: Juju era meu amado e boêmio Tio Juarez. Morador da carioca Lapa na época em que o bairro ainda ostentava seu charme original. Sujeito de cultura e coração imensos, de um carisma impressionante, que, onde quer que estivesse, marcava sua presença por ficar rodeado de pessoas, das mais variadas idades, com ouvidos atentos a suas histórias aprazíveis. Era, de fato, um patrimônio daquela saudável e inocente boemia de anos atrás. Fecham-se os parênteses.

Prontamente me pus a declarar aquela oração, externada na forma da mais bela e etílica obra de arte.

Bastou que eu fizesse a exclamação final para que a assistência, emotiva, aplaudisse ferrenhamente. Foi aí que meu querido tio Carlos Drumond me falou:

— Meu filho, você precisa escrever isso. Esse troço tem que ficar registrado pra todo mundo saber. Eu quero isso escrito pra eu poder lembrar e falar pros amigos do butiquim lá perto do meu prédio. Sempre conto pra eles essa história mas nunca me lembro da oração. Tá todo mundo curioso pra saber como é.

Eu não poderia deixar de atender ao pedido do meu querido padrinho. Abaixo segue a oração, que deve ser lida com a fé do boêmio, de copo na mão e coração nas alturas:

"ô tangas, ô mangas, ô mijas verrumas;
ô caga fivelas, ô quinta colunas;
se tens um quebranto em bundinho teu;
eu te curo com três peidos de Hitler, três de Mussolini e três da velha Cabrocha;

Se di tudi labatude;
por que não enfias e dedo no fute*;
e vais tomar no cú, filho da puta.
Saravá!"

Até a próxima.

* De acordo com o regiolanismo de Campos dos Goytacazes, RJ, "fute" (pronuncia-se fúti) significa o mesmo que ânus.

HIPOCRISIA DIGITAL


Dizer que a internet é um território livre e sem barreiras já se tornou lugar comum e creio que ninguém (ou poucos) discorde(m) da afirmação. Até mesmo nossos políticos, os reis da hipocrisia, já reconheceram essa característica da rede mundial de computadores em recente discussão que travavam acerca da regulamentação de campanhas no mundo digital.

Entretanto, muito embora seja notório esse louvável traço de vitrina da democracia, expoente liberal do mundo contemporâneo, alguns órgãos, instituições e pessoas, parecem querer se dedicar a uma cruzada em prol das restrições ao mundo virtual.

Dias desses, o site Torrent Up Forever, meca dos amantes do cinema e inimigos dos altos preços cobrados nas bilheterias Brasil afora, saiu do ar graças a mais um golpe da ACPM (Associação Antipirataria de Cinema e Música). Aliás, esse grupo de hipócritas tem se esforçado, diuturnamente, para destruir bons nichos de cultura e entretenimento que são oferecidos gratuitamente na internet.

Todavia, para tristeza dos censores e felicidade geral dos internautas, o blog de arquivos .torrent em que podem ser encontrados diversos gêneros de filmes e séries de TV voltou à ativa em um novo endereço (confiram aqui e no link colocado na barra lateral - na seção "Valem o clique) e com novo nome: Torrent Up Turbo.

Não escondo a enorme felicidade que sinto cada vez que percebo uma nova derrota da ACPM. Alguns devem me censurar e torcer o nariz para meu comentário sob a justificativa de que a famigerada associação que mencionei apenas defende direitos autorais daqueles que os detêm sob o manto da legalidade.

É verdade, mas, felizmente, essa circunstância não pode ser justificativa para qualquer comportamento do mercado de áudio-visual. A ACPM nada mais faz do que defender interesses de uma pequena minoria de estúdios e produtoras que se utilizam de seus direitos autorais para saquear o público com preços absolutamente aviltantes.

Sou um apaixonado pela sétima arte e não quero, sob hipótese alguma, levantar bandeiras contra o merecido lucro daqueles que desenvolvem obras tão importantes para a vida cultural de toda a sociedade. Entretanto, o que se pode concluir dos preços cobrados nas bilheterias das salas de cinema é uma abissal desproporção entre esses valores e o poder aquisitivo da esmagadora maioria da população.

Mesmo diante desse fato notório e repugnante, os integrantes da ACPM ainda têm coragem de escrever em seu site, na descrição de suas atividades, que "tem como objetivo fundamental proteger os direitos autorais de seus titulares, proporcionando um mercado mais ético, e oferecer meios para realização de ações que visem combater a pirataria".

Assim que bati os olhos nessas linhas nojentas me perguntei: mercado mais ético para quem? A resposta parece óbvia.

Por essas e outras que enquanto perdurarem políticas culturais nocivas de tolerância ao lucro exacerbado eu continuarei aplaudindo iniciativas independentes que levam a cultura a todos, tal qual fazem os idealizadores do Torrent Up Turbo.

Até a próxima.

DECISÕES


Estava vasculhando alguns documentos antigos arquivados no meu computador quando me deparei com um texto escrito por mim há algum tempo atrás. Lê-lo novamente me surpreendeu, haja vista que já não me lembrava de tê-lo escrito.

Passar os olhos sobre aquelas linhas trouxe-me de volta algumas duras sensações que experimentava quando o redigi.

Certa vez, li que para avaliarmos se algum texto é realmente bom devemos escrevê-lo e guardá-lo na gaveta por alguns anos. Se após o transcurso do inexorável tempo ainda acreditarmos que o escrito é interessante, aí sim, teremos mais respaldo, independência e certeza de que fizemos um bom trabalho.

Lembrei dessa 'teoria' ao reler meu próprio texto. Confesso que não me enchi de orgulho da 'obra' produzida. Acho que merecia algumas importantes modificações para que sua leitura fosse mais agradável e revelasse mais maturidade literária de seu autor (no caso, eu mesmo).

Entretanto, acho que a pureza e a sinceridade das emoções presentes naquelas linhas fazem que seja válido publicar o tal texto aqui nesta TRIBUNA. Decidi deixá-lo na íntegra, na forma que foi escrito, sem nenhuma alteração, com o fim de que possa expressar melhor o que sentia à época.

Talvez daqui a algum tempo eu faça as modificações necessárias e melhore sua redação. Enquanto isso, fiquem com minhas "DECISÕES", abaixo transcritas:

"Tomar decisões cruciais para a própria vida é como se equilibrar sobre uma tênue linha entre o duvidoso e o errado. O certo quase nunca é desenhado em grossos contornos para que possamos, de início, visualizar que caminho deve ser seguido.

Em regra, só concluímos se nos decidimos corretamente após passado algum tempo da decisão tomada. Nesse momento, temos sempre alguma sorte de ensinamento. Aula que preferiria não ter de assistir. Conhecimento que traz temores sobre seu teor.

Se percebermos que a decisão tomada foi a correta, há um sentimento de acerto, de objetivo alcançado, de sucesso. Se errada for, ao contrário, temos, ao menos, uma leve sensação de derrota, mas a melhor sabedoria nos ensina que o mais importante é fazer desse erro um grande aprendizado.

A teoria sobre nos decidirmos parece estar completamente correta. Mas, ainda assim, há um medo enorme a cada momento que uma decisão crucial repousa desafiante sobre os nossos caminhos.

Desvincular-se de algo ou de alguém é infinitamente mais difícil do que vincular-se, independente do tamanho do esforço feito para que o vínculo se realizasse.

Ver um brilho que traduz um misto de tristeza e saudosismo no olhar de quem é deixado nos submete a sentimentos paradoxais e diametralmente opostos: nos invade uma espécie de orgulho por obtermos um reconhecimento positivo, e, ao mesmo tempo, somos acometidos por sensações pesarosas em razão de havermos deixado para trás alguém que sinceramente nos valoriza.

E como é difícil ter o devido valor para alguém nestes tempos modernos tão efêmeros!

Ter as rédeas das nossas próprias vidas é a tradução da liberdade mais desejada por nós e, ao mesmo tempo, uma das vicissitudes que mais nos assusta. Por vezes tendemos a desejar que alguém decida por nós, que os resultados sejam postos nas nossas vidas. Assim, se forem exitosos, comemoramos do mesmo jeito, mas, se, de outro modo, forem lamentáveis, carregamos um peso a menos por entendermos que não nos foi dada a possibilidade de decidir.

Passada a angústia sobre o que fazer, só nos resta torcer... torcer para que a decisão tomada seja a mais correta, honesta e saudável. Torcer para que, diante do erro, ainda possamos levantar a cabeça, aprender as lições ensinadas e ainda termos tempo de consertar o que haja saído errado. Torcer para que nas próximas vezes os resultados sejam sempre melhores.

Torcer para que nosso caráter não reflita nossas decisões, mas para que nossas futuras decisões sejam reflexos do nosso caráter. Torcer para que aqueles que ficaram com um saudoso brilho de sinceridade e bem querer no olhar nos fitem sempre com olhos de regozijo e de felicidade em ver-nos de novo."

Até a próxima.

TODOS JUNTOS, CANTANDO A UMA SÓ VOZ...


Inicio o texto de hoje, meus queridos leitores, pedindo desculpas pelo imenso tempo em que a TRIBUNA ficou sem as atualizações e as postagens devidas. Aproveitando o ensejo, agradeço a todos aqueles amigos que me enviaram e-mail e mensagens, sejam elas via SMS, msn e etc, pedindo para que eu voltasse a escrever neste blog.

Infelizmente o dia-a-dia me impediu de dar a merecida atenção à TRIBUNA, razão pela qual optei por ficar um tempo sem postar a escrever aqui textos medíocres, que não fossem merecedores da caríssima atenção de cada um que acessa essa página.

Pensei em vários temas para o artigo do retorno. Assuntos não faltaram. Confesso que fiquei muito inclinado a registar aqui meu posicionamento crítico sobre a mal gerida crise Brasil-Honduras e sobre a indicação do Advogado Geral da União, José Antonio Toffoli, para ocupar a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal com o falecimento do ministro Carlos Alberto Menezes Direito.

Entretanto, como ambos os assuntos têm nuances verdadeiramente indigestas e, por isso, demandariam comentários com forte crítica, preferi falar de algo mais belo, mais esperançoso, que fizéssemos, como poucas vezes, ter orgulho da natureza humana e da sua sensibilidade incomparável.

Por isso, trago abaixo um vídeo que me emocionou quando o encontrei no sítio eletrônico do you tube. Trata-se de um evento publicitário promovido por uma empresa de telefonia na Trafalgar Square, em Londres (pelo visto, até nisso temos muito o que aprender com o velho continente).


A companhia reuniu cerca de 13.500 pessoas em frente a um imenso telão, distribuiu milhares de microfones sem fio (vejam a sofisticação do evento!) e incentivou todos a cantarem, juntos, a uma só voz, a bela canção dos Beatles intitulada Hey Jude.

Os comentários são dispensáveis. As imagens falam por si. Mas o que não queria deixar de lhes dizer é que momentos como esse são uma excelente oportunidade para percebemos como é possível, ao menos por alguns instantes, que sejam esquecidas as diferenças, que os rancores sejam deixados de lado e que possamos celebrar, juntos, como co-habitantes deste imenso e belo planeta, o simples fato de estarmos vivos.

Até a próxima.

DE SAMPA


Começou hoje, aqui em São Paulo, o 15º Seminário Internacional do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), evento que se estende até esta sexta-feira, dia 28 de agosto.

Devo confessar que, apesar de ser loucamente apaixonado pela minha amada, bela e maravilhosa cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, sou tomado por um enorme e (in) explicável prazer toda vez que visito a terra da garoa (essas oportunidades não têm sido escassas). Aliás, por aqui garoou o dia inteiro e não há sinais de que o tempo vá mudar. São Paulo está, tipicamente, São Paulo. Um brinde para quem quer experimentar alguns dias com clima um pouco mais frio, elegante e diferente do calor que não se divorcia - nem abaixo de súplicas - da cidade maravilhosa (e quente).

Cheguei logo no início da manhã e, assim que pus os pés na terra dos "erres" puxados e dos "ãos" charmosamente anasalados, iniciei uma empreeitada reflexiva sobre como aproveitar ao máximo meus dias - que serão absolutamente cheios - conciliando as impagáveis lições ministradas no seminário com a invejável vida cultural da megalópole brasileira.

Não me comportarei aqui como a maior parte dos cariocas: criticando massivamente os problemas da capital paulista. Esses são inúmeros, públicos e notórios, de modo que qualquer descrição ou crítica seria redundante, por mais massacrante que fosse.

Pretendo, ao contrário, nos próximos curtos dias em que desfrutarei da hospitalidade paulistana, contar-lhes minhas boas impressões sobre o que há para ser desfrutado no lar dos bandeirantes.

Hoje, devido ao enorme cansaço que me arrebata após quase 36 horas no ar, ficarei por aqui. De qualquer sorte, as minhas maiores homenagens já são devidas à cidade que abriga a maior e melhor entidade dedicada ao estudo das ciências criminais do Brasil, o IBCCRIM.

É impressionante o manancial de conhecimento que emerge dos diletos membros, associados e colaboradores do instituto. Já havia experimentado essa maravilhosa sensação anual de me inebriar no saber oferecido pela entidade. Uma pena não termos no Rio de Janeiro um centro de estudos criminais dessa envergadura.

Prova cabal de um motivo suficiente para render minhas homenagens a São Paulo e aos paulistas. Mas, certamente, outras razões ainda estão por surgir.

Até a próxima.

PS: Por incrível que pareça, o combustível automotivo por aqui é consideravelmente mais barato. Após várias visitas à cidade, só hoje me dei conta desse fato. Nas áreas mais nobres da cidade, encontramos excelentes postos, de bandeiras famosas e recomendadas, com o litro da gasolina vendido a R$ 2,49. Já nas proximidades do aeroporto, os preços caem para algo entre R$ 2,29 e R$ 2,39. Os demais tipos de combustíveis também têm preços bem mais em conta. Precisamos copiar isso...

A LITERATURA ENGRANDECE O DIREITO


Há poucos instantes recebi do Carlos Wehrs - o Bolinha, para os amigos - um e-mail que me deixou admirado. Trazia, em anexo, uma petição escrita em versos rítmicos, cadenciais e com rimas (como pode se verificar na imagem abaixo).


Já tive a oportunidade de debater com diversos operadores do direito - alguns de destacado renome; outros, como eu, ainda com pouca experiência na vida forense - sobre o cabimento de excertos - ou breves textos integrais - de belas obras da literatura nas peças (leiam-se petições, decisões, sentenças, votos, acórdãos e etc.) jurídicas.

Fico impressionado com a resistência que especialmente os jovens concursandos oferecem a textos forenses que não se limitam ao seu aspecto técnico e ao juridiquês, mas fazem uso da argumentação nas suas mais criativas possibilidades, dentre elas utilizando-se de citações de poesias e/ ou qualquer obra literária pertinente à questão.

Desculpem-me os que advogam em sentido contrário, porém, acho que tal posicionamento é de aridez e insensibilidade abissais. É óbvio que o juiz - e também os demais operadores do direito - têm, a todo momento, de observar as normas e, ainda mais imporante, os princípios que orientam o ordenamento de direito pátrio. Entretanto, não podem, sob hipótese alguma, desligarem-se da sensibilidade que só os humanos podem experimentar.

É exatamente o discernimento alicerçado na sensibilidade, nos valores da humanidade, que dá ao magistrado a capacidade de se diferenciar de máquinas e aplicar o bom senso no julgar.

Partindo-se dessa premissa, como negar a necessidade de observarmos as tocantes mensagens que nos são transmitidas por meio das diversas obras culturais oriundas da arte, mormente da literatura?

Citações e reflexões literárias, além de emprestarem uma espetacular beleza às produções textuais jurídicas, servem de parâmetro para construções analógicas que buscam socorro na sensibilidade humana, que nunca deve ser deixada de lado, em qualquer instância do pensamento.

Confesso que me entristeço ao observar o emburrecimento e o embrutecimento coletivos alavancados pela atual busca frenética por aprovações cada vez mais precoces em concursos públicos. As provas, sucessivamente mais objetivas e limitadas à uma doutrina mesquinha, pré-formulada pelos membros das bancas de avaliação, contribuem para o desencadeamento de juízes gélidos e com pouca capacidade reflexiva. Jovens recém formados passam a ocupar importantes cargos na estrutura da República, sem qualquer experiência de vida que os legitimem para tanto.

O que vemos, consequentemente, é uma enxurrada de atos e decisões jurídicas frias, autoritárias e, portanto, injustas. Juízes que recusam a receber advogados em seus gabinetes e julgam apenas com base na sua realidade de mundo que, nesses casos, ressalte-se, é bem limitada.

Por tudo isso, parece-me louvável, um motivo de satisfação, observar o trabalho criativo de um advogado e, mais ainda, a forma receptiva, inteligente, sagaz, sensível e inteligente com que o magistrado o recebeu.

Nessas horas sou tomado por uma alegria indisfarçável. Percebo que somos poucos, mas não estamos sós. É preciso que os juristas observem que o Poder Judiciário faz parte da sociedade e, portanto, não há razão para que, rudemente, se afaste dos valores, das belezas e das vicissitudes que a compõem.

Até a próxima.

PIADA DA ANJ


Ontem a Associação Nacional de Jornais - ANJ - comemorou, com um dia de atraso, seus trinta anos de existência.

O assunto mais abordado pelos oradores que ocuparam a tribuna do evento foi, de longe e sem sombra de dúvida, a questão da liberdade de expressão e as atitudes suspeitas e autoritárias praticadas contra essa característica essencial de um Estado Democrático de Direito.

Até aí, perfeito! Não tenho a menor dúvida de que a imprensa cumpre um papel importantíssimo para a sociedade. Ou melhor, deixem-me começar essa última afirmação de novo. Não tenho a menor dúvida de que a imprensa deveria cumprir um papel importantíssimo para a sociedade, o que, necessariamente, tem de ser feito por meio de um jornalismo sério e isento.

O cômico na comemoração do trigésimo aniversário da ANJ foi quando sua cúpula começou a demonstrar a que veio e a que se presta. Começou por fazer críticas diretas à Rede Record. Eu, particularmente, não tenho nada nem contra nem a favor à emissora. Os mais céticos talvez diriam que essas críticas eram globais. Ah, mas isso diriam os céticos. Os céticos, ora bolas!

Entretanto, o importante não foi nada disso. O ápice do festejo foi o título de sócio honorário da ANJ dado a João Roberto Marinho, que, posteriormente, proferiu um "belo" discurso.

Do púlpito, disse o empresário, ao final de sua intervenção, que "o que conforta é saber que o norte é o mesmo e que, no fim, aqueles que praticam o bom jornalismo serão reconhecidos".

Vejam que ironia, meu caros leitores. João Roberto Marinho, vice-presidente das organizações Globo (aquela mesmo, que se vendeu à ditadura para crescer no mercado), falando em bom jornalismo. Será que ele sabe o que é isso?

Devem estar gozando com a nossa cara. Só pode ser piada!

Até a próxima.