PERSEGUIÇÕES DA APAVORADA GLOBO


Dias desses vagava pelos corredores de uma excelente livraria - hábito que insisto em manter - garimpando belas obras literárias quando quase tropecei num sujeito que parecia estar abstraído do mundo real e imerso na narrativa sobre a qual se debruçava.

Constrangido pela interrupção que causei, tentei pedir desculpas da forma mais sucinta possível, quando, ao encará-lo, observei que se tratava de um velho amigo que conheci na minha primeira faculdade - de Relações Internacionais - que há muito tempo não tinha o prazer de encontrar.

Após cumprimentos, comentários sobre a coincidência da eventualidade e considerações outras, perguntei-lhe se ainda trabalhava na Globo News. A partir desse momento a conversa tornou-se ainda mais interessante do que sempre foi.

Ouvi, por alguns instantes, os seus empolgados relatos sobre as atividades que desenvolve a frente de alguns programas jornalísticos televisivos. Quando notei uma pequena brecha, causada pela breve pausa indispensável à respiração, perguntei a ele, propositalmente, como estava o clima da emissora com relação às denúncias feitas contra a Igreja Universal do Reino de Deus e seus líderes.

Sua expressão empolgada nos deixou no mesmo instante em que eu fiz a indagação, dando lugar a um aspecto que misturava surpresa com um certo embaraço. Ao ver sua reação, tratei de logo explicar o porquê da pergunta. Disse-lhe que, apesar de essa ter sido uma notícia importante para a sociedade - muito embora os fatos ainda estejam numa fase muito incipiente do processo penal, de modo que nada está provado nem há qualquer juízo de culpa decretado - estava estranhando o jornal O Globo (normalmente por mim carinhosamente chamado de jornalão carioca), bem como a Rede Globo e a Globo News, insistirem em todos os dias dedicarem significante espaço de suas reportagens às recorrentes notícias sobre a mencionada igreja e seus líderes religiosos.

Nessa hora a resposta daquele competente e ainda promissor jornalista foi desajeitada.

— É, infelizmente tem essas coisas. Mas acho que é em todo lugar, sabe?

— Como assim? — instiguei, fingindo não ter entendido.

— Acho que temos feito um jornalismo bem responsável lá na Globo News. Mas acontece que não tem jeito! Não tem como a gente se esquecer que, antes de ser um canal de jornalismo, é uma empresa. E você sabe, não? Uma empresa tem que se manter, estabelecer lideranças, vender seus produtos, entende?

— Sei. Então vocês estão vendendo a forma de vocês fazerem jornalismo, é isso que você tá me dizendo? — retruquei, querendo instigá-lo ainda mais.

— Não é exatamente isso... — nesse momento, aquele sujeito tão seguro de si, de uma cultura invejável e apresentação irretocável não conseguia disfarçar seu acanhamento diante de uma realidade para ele tão mesquinha. Tentando se explicar um pouco melhor, prosseguiu:

— Pô, vamos ser realistas. Infelizmente, e digo isso com muita tristeza, qualquer empresa precisa de algumas estratégias de mercado pra se firmar, ficar na liderança, enfim, tentar se destacar das demais. Isso traz recursos, melhores condições de trabalho e acaba refletindo até mesmo na possibilidade de se fazer um jornalismo mais responsável.

— Acho que ainda não entendi exatamente o que você tá dizendo. A gente tava falando sobre as várias notícias da Universal, não era? — Insisti na minha dissimulação. Queria vê-lo dizer mais, contar suas próprias impressões sobre algo que parecia lhe incomodar profundamente.

— Ah Felipe, você me entendeu, sei que entendeu... é o seguinte... ó, me promete que nunca dirá a ninguém que te falei isso, ok?

Concordei na mesma hora. Aqui, abro parênteses. Antes que alguns digam que sou um traidor, explico que, exatamente por essa razão preservarei, a todo instante, a identidade do meu amigo com fim de manter minha promessa e preservar-lhe perante seus colegas de trabalho. Fecho os parênteses.

O querido jornalista fez uma pausa, pôs a mão aberta com a palma virada para si sobre a testa, passou-a por todo o rosto até o queixo, tomou um longo fôlego e continuou:

— Vou te contar. Assim que ficamos sabendo da notícia de que tinha uma denúncia contra o bispo Edir Macedo e outros altos membros da Universal, houve uma ordem de cima determinando que fizéssemos algumas reuniões pra tratarmos de uma estratégia de trabalho. No dia seguinte, na hora da reunião, todo mundo recebeu uma pasta com vários textos, documentos e orientações explicando como supostamente funcionaria a Universal e dando detalhes sobre o que sabiam do processo. Tinha também, e principalmente, várias planilhas, estatísticas e informações sobre a Rede Record. Aliás, não só sobre a TV, mas sobre rádio, Record News e etc, tá entendendo?

— E como estou! — respondi.

— Então... Na reunião os diretores foram diretos. Falaram um pouco sobre em que pé estava a situação e depois disseram que queriam uma atuação conjunta de todos os veículos de imprensa das organizações Globo. Foram claros que a ordem prioritária agora era massacrar a Universal, o bispo Macedo, os pastores da igreja, a forma como eles realizam seus cultos e, principalmente, fazer uma ligação disso tudo com a Rede Record. Disseram que era pra bater bastante e todos os dias, mas de uma forma inteligente. Fazer parecer que era apenas uma reportagem isenta que mostrava a verdade. Pra você ter uma ideia, a coisa chegou a um ponto tão deprimente que disseram até que onde houvesse apenas um indício era pra exagerarmos e descermos o pau, abrirmos uma ferida.

Eu fazia uma cara de nojo indisfarçável. Quando meu velho amigo observou que toda aquela história para mim alcançava um grau de repugnância absurdo, tentou se explicar na medida do possível:

— Eu ainda tentei argumentar. Falei que isso não parecia ser tão importante assim. Que há outras coisas muito mais prioritárias para destacarmos e focarmos no dia-a-dia. Mas não teve jeito. Eles disseram cada um de nós tinha uma opção. Se quiséssemos continuar lá, tínhamos que agir assim. Também destacaram que a empresa saberia reconhecer o trabalho de cada um que se dedicasse. Quer ver um exemplo? Você tem ligo O Globo?

— Infelizmente sim. — respondi.

— Pois é, se você observar, todos os dias tem pelo menos uma página, às vezes meia página, dedicada a esse assunto. Dias atrás mandaram um repórter a Campos do Jordão por vários dias, despesa enorme e tal, tudo só por causa de uma casa que parece que a igreja tem lá. E o pior é que muita coisa que publicam eles nem têm toda certeza. O mesmo tipo de coisa estão fazendo no jornalismo televisivo, nas revistas e etc. Mas tudo isso sabe por quê? Foi a oportunidade que tiveram pra tentarem arruinar a Rede Record.

Como assim? Explica isso melhor. insisti.

— Um dos diretores foi muito enfático. Falou que era pra nós acompanharmos o que ele dizia pelas planilhas com informações sobre o crescimento absurdo que teve a Record dentro desse pouco tempo em que está sob nova administração. Disse que isso tudo era culpa da Universal e do Macedo. Que se a Record continuasse desse jeito, em pouco tempo iria se equivaler à Globo e que isso, obviamente, poderia ser um problema pra todos nós. Falou que essa era uma excelente oportunidade de garantir o lugar da Globo na liderança e que eles não iriam parar de pressionar o poder público pra agir nesse sentido, tentando, ao máximo, massacrar a igreja e, de alguma forma, também a Record. Toda essa sujeira só por medo da Record, entendeu? Tudo medo da Record...

Apesar da náusea que sinta diante dos detalhes daquele relato, cheguei a ficar com pena do meu amigo. Ele, choramingando, desabafou:

— Poxa, eu tenho que trabalhar. Preciso pagar minhas contas. Tô no começo. Tenho medo de largar o ótimo posto que consegui nesse tempo que tô lá. Mas não acho legal trabalhar dessa forma. Será que nós não poderíamos apenas nos preocupar em fazer nosso trabalho dignamente? Acho que esse que é o jeito de ser melhor, de liderar...

Pus a mão direita sobre seu ombro esquerdo, deixei que visse minha expressão de consolação e fiquei mudo por breves segundos. Dei-lhe um abraço com tapinhas nas costas e disse:

— Acho que você deve agir de acordo com sua consciência. Pra colocar sua cabeça no travesseiro a noite e dormir em paz, entende? Tenho certeza que vai achar a resposta certa.

Pusemos um fim naquela conversa e desejamos sucesso reciprocamente. Saí da livraria em passos apertados para casa, ávido por lhes contar essa história tão assustadora.

Queria que vocês, meus queridos leitores, "ouvissem da boca" de alguém isento e comprometido com a própria empresa carioca de comunicação. Assim, ninguém poderá dizer que eu estou com perseguição ou implicância globais. Tirem suas próprias conclusões. Eu já tirei as minhas.

Até a próxima.
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