O APROVEITADOR

Era o início de uma ensolarada tarde de sábado e Dagoberto já não aguentava mais ficar em casa vendo TV e lendo jornais.

Passou a mão no telefone e discou para o depósito de bebidas que costumeiramente lhe servia nos finais de semana mais festivos. Pediu meia caixa da cerveja de sua preferência e, antes de desligar, lembrou ao atendente, com sua típica ênfase: — Estupidamente gelada, casco escuro e preço antigo, hein!

No início, estava satisfeito. Dizia para si mesmo que aquela era a vida que havia desejado. Ninguém para aborrecer-lhe as idéias, a geladeira repleta da bebida de sua preferência e nenhum compromisso para atrapalhar-lhe os planos de, vagarosamente, se inebriar com sucessivos copos da mais gelada cerveja sabática.

Depois de algum tempo, entretanto, não agüentava mais de tanto tédio. A TV não lhe era mais interessante. Os inúmeros DVDs que lotavam as prateleiras da estante da sala também não o seduziam. Precisava ver gente.

Decidido, partiu, de copo na mão, rumo a um aprazível botequim, cravado em frente à Praça São Salvador, distante apenas umas duas quadras de sua casa.

Chegando lá, após alguns passos desalinhados, saudou o garçom que estava à porta do bar com um sorriso espontâneo e natural, um belo abraço – como se fossem velhos amigos – e fez sua solicitação com a séria advertência: — Meu querido, me consiga uma mesa estratégica, mas, veja bem, este copo aqui é meu, entendeu? Trouxe de casa!

Com vivência de quem estava naquele trabalho há anos, não se podia negar a perspicácia e capacidade de observação de Juca. Ao perceber a carência de Dagoberto por algo que lhe prendesse a atenção, foi logo oferecendo ao seu mais novo cliente uma mesa colocada na entrada lateral do bar, bem em frente à passagem que dava acesso à escada que levava aos banheiros.

Não demorou para começar o entra-e-sai rumo aos toaletes. Por causa da roda de samba que acontecia na praça, o movimento começou a ficar absurdamente intenso e o gerente do botequim, o Manoel, já se incomodava com a expansividade daquelas mulheres que usavam seu banheiro a todo momento e não nada consumiam.

Aborrecido, chamou o garçom mais novo da casa, o Daniel. Determinou, muito incisivo, que ele ficasse de prontidão na entrada lateral do bar e não permitisse que ninguém entrasse no estabelecimento apenas para dar vazão às suas necessidades físicas. Se quisessem, teriam de pagar 5 reais.

Não precisou de muito tempo para que a coisa começasse a ficar complicada para o garçom mais jovem da casa. As mulheres eram as que atordoavam o jovem atendente. Diante da impossibilidade de se resolverem do jeito, pouco civilizado, diga-se de passagem, que os homens faziam, insistiam no seu “direito” de usarem os lavabos.

— Isso aqui é público! Não podem barrar minha entrada, nem me cobrar esse absurdo pra ir ao banheiro! Sai da frente! — bradou uma delas, empurrando o rapaz, que, àquela altura, apenas sonhava em terminar seu dia de trabalho.

Foi aí que tudo degringolou de vez. Manoel foi chamado e instaurou-se uma discussão acalorada exatamente em frente à mesa de Dagoberto.

Vendo todo aquele circo, que inegavelmente o divertia, Dagoberto chamou o gerente a um canto e lhe disse, num tom altivo: — Olha, se você quiser eu resolvo esse problema. Direi que sou da vigilância sanitária e sei que o bar pode cobrar pela entrada delas. Digo que conversei com vocês e que aceitaram cobrar um valor simbólico. Elas vão se achar atendidas e vão aceitar. Mas você tem que concordar com meus termos.

— Qualquer coisa! Se resolver, já vou te agradecer.

Autorizado, Dagoberto foi até o fervoroso público feminino, ávido por uma rápida visita ao vaso sanitário, e fez o prometido. Ao final, soltou a proposta:

— Atendendo a meus pedidos, o bar está disposto a deixar vocês entrarem se pagarem um valor simbólico.

Houve protestos e a gritaria recomeçou. Umas das mulheres, que parecia ser a mais necessitada, indagou: — E quanto vai custar?

— Uma merreca, basta me pagarem um chopinho, dos menores; o garotinho. A cada chope, duas vão ao banheiro.

As mulheres ficaram impolvorosas e voltaram a protestar. O gerente, surpreso, repreendeu o seu cliente pela solução inusitada: — Mas aí não ganho nada! Quem ganha é você.

— Claro que ganha! Pouco, mas ganha. Esqueceu que o lucro já tá embutido no preço do chope? E aí? Não vai manter a palavra?

Contrariado, Manoel deixou-se levar pelos argumentos do seu cliente. O mulheril, que já não agüentava mais discussões, acabou cedendo à proposta feita.

Foram algumas horas de intenso movimento nos banheiros do botequim e uma mesa farta de pequenos copos de chope servindo aos prazeres de Dagoberto.

Quando já não agüentava mais sua maratona etílica de Sábado, avisou ao Juca que estava satisfeito e ia se concentrar na curta caminhada que faria até sua casa.

Daniel, com um sorriso de gratidão que não podia esconder, cumprimentou-lhe efusivamente com abraços e tapinhas nas costas. Quando já tomava seu rumo, o jovem garçom lhe chamou e fez o convite:

— Seu Dagoberto, e amanhã? Volta aqui pra ajudar a gente a organizar a fila do banheiro?

O malandro boêmio parou, olhou seu relógio como se estivesse consultando uma agenda imaginária, levou, abruptamente, a mão sobre a testa e disse, em tom de lamentação: — Ih, rapaz, amanhã, infelizmente, não dá. Já assumi esse compromisso em outro bar, numa praça, lá em Laranjeiras! Sabe como é, né? Domingo tem chorinho no coreto...

Até a próxima.

2 Responses
  1. Gostei da ideia! rs rs
    Muito bom o texto!
    Abração!


  2. Que bom que gostou Thiago!
    Um elogio vindo de um legítimo cronista como você, tem valor quadruplicado.
    Abraços.