APLAUSOS AMARGOS


Toda a sua vida havia sido dedicada ao teatro. Desde novo já dizia para os pais que queria ser ator. Quando no final da sua adolescência, matriculou-se na mesma escola teatral em que, após a conclusão do seu curso, viria a ser professor.

Fez faculdade de artes cênicas e se formou em um belo curso de direção teatral na conceituada Universidade Federal do Rio de Janeiro. Era dono de um currículo invejável e sempre provocava suspiro nos seus alunos no primeiro dia de aula, quando apresentava-lhes suas qualificações. A não ser por nunca ter trabalhado em nenhuma peça, teria a carreira dos sonhos de todo novo estudante de teatro.

Durante a as suas aulas, só havia uma pergunta que lhe desconsertava. Era quando, curioso, algum jovem estudante indagava-lhe sobre qual havia sido sua última peça. Ruborizado, tentava explicar que dedicava sua vida a formar novos atores, que seu maior prazer era ver seus pupilos em maestrais apresentações pelos palcos Brasil afora. Era uma justificativa bonita, um gesto altruísta, mas, na verdade, ninguém conseguia compreender porque alguém tão preparado nunca havia pisado, seja como ator, autor ou diretor, em um palco.

Certo dia, o rumo da vida de Adolfo começou a mudar. Foi em uma segunda feira, às nove da manhã, quando se apresentava para uma nova turma de interpretação teatral, que não conseguiu deixar de se hipnotizar pela presença de Anita. Enquanto anunciava, orgulhoso, suas conquistas curriculares, percebeu que aquela jovem ruiva parecia devorar-lhe com os olhos. Era uma mulher estonteante. Com traços de menina, exibia um lindo decote que valorizava seus seios fartos, firmes e provocantes. Por baixo de sua blusa, os mamilos rígidos anunciavam que não era adepta do sutien. Adolfo salivava. Ficava perdido em meio à tanta exuberância.

Tentava repelir seus pensamentos, mas a verdade é que não dava para negar que Anita estava dedicada a lhe provocar. Os dias e as aulas se sucediam e quanto mais a bela jovem percebia as reações embaralhadas de Adolfo, mais parecia querer tirar-lhe do sério.

Quando os olhares de professor e aluna se cruzavam, Anita, com a boca entreaberta, passava leve e vagarosamente a língua por toda a extensão do seu lábio superior. Por vezes era ainda mais cruel. Mordiscava o dedo polegar de sua mão direita e o deixava repousado sobre seu lábio, fazendo movimentos circulares com a língua em volta da falangeta, já completamente umedecida.

Um belo dia, ao final de uma aula, após todos os alunos terem saído da sala, Anita dirigiu-se vagarosamente a Adolfo. Enquanto notava a aproximação de sua aluna, o jovem professor tremia nas entranhas. Percebia o andar cadenciado, a rítmica provocante, as curvas exuberantes e o olhar fatal que Anita jogava sobre ele.

— Professor, eu fico até meio sem jeito de te pedir isso... não sei nem como dizer. — falou Anita, com os olhos fincados em Adolfo e a língua a umedecer os lábios.

— Que isso, Anita?! Pode me dizer qualquer coisa. Não há porque existir timidez ou qualquer protocolo entre nós. — respondeu, atrapalhado, Adolfo, percebendo que deixara escapar um prenúncio de seus desejos.

— Ah é, professor? Que bom saber disso! Assim eu fico muito mais a vontade... — dizia Anita em tom de provocação. Aproximou-se mais um pouco e, junto ao ouvido de Adolfo, sussurrou: — meu sonho era ver você escrever e dirigir uma peça em que a protagonista fosse inspirada em mim. Ai — dizia, suspirando e passando os dedos pelo colo desnudado — eu daria tudo, faria tudinho pra ter um presente desse... tudinho mesmo... — finalizou a formosa aluna em sussurros que se confundiam com gemidos contidos ao pé do ouvido de Adolfo.

Os dias que se sucederam foram de intenso trabalho na elaboração de uma peça com inspiração notadamente rodriguiana. Enquanto escrevia o enredo de sua história, Adolfo perdia-se na sua imaginação: um misto de fantasias sexuais por Anita e uma ansiedade receosa dos desdobramentos de sua peça. Todas as noites rezava para que seu espetáculo fosse um sucesso. Seria o primeiro passo para encontrar morada no paradisíaco corpo da ruiva de seus sonhos.

No dia da estréia Adolfo era uma pilha de nervos. Havia trabalhado incessantemente durante todos os dias ao longo de um ano e meio. Diuturnamente o desejo nutrido por Anita lubrificava suas engrenagens e dava-lhe ânimo para prosseguir em sua empreitada. Nada podia dar errado naquele momento. Havia chegado a hora. Adolfo estava certo de que se sua peça fizesse sucesso finalmente Anita seria sua, só sua. E como aquele desejo lhe fazia bem! Não havia nada que almejava mais do que ter sua jovem e bela aluna repousando em suas braços.

O teatro não parava de encher. Uma hora antes do início do espetáculo todos lugares já estavam ocupados. O público estava ávido pela estreia daquele teatrólogo tão qualificado.

A peça foi encenada exatamente do jeito que fora imaginada por seu autor e diretor. Tudo transcorreu perfeitamente bem. Da coxia, Adolfo observava o público, silencioso, após as cortinas se fecharem. A expectativa o fazia suar frio, ansioso por saber como seria a recepção de sua obra. Segundos se passaram em que a quietude do silêncio revelava-se ensurdecedora para Adolfo. De repente, como uma espécie de gesto de gratidão pela inspiração rodriguiana, a plateia uniu-se em um efusivo aplauso de pé: — O autor, o autor! — pediam os espectadores maravilhados.

Havia sido a noite dos sonhos para aquele amante do teatro. Mas ainda lhe faltava o mais essencial: Anita. Corria os olhos pela pelo público e não conseguia destacar sua musa daquele mosaico de pessoas sorridentes. Sorumbático, recolhido à coxia, perdido em pensamentos saudosistas, foi surpreendido por sua assistente, que anunciava a chegava de sua aluna mais ilustre, pedindo para falar-lhe reservadamente.

Aturdido, Adolfo saltou em direção à sua musa. Com um sorriso enigmático e mordiscando o lábio inferior, Anita abraçou o professor, deu-lhe um beijo vagaroso na face direita e, suspirando em seu ouvido, disse-lhe baixinho:

—Parabéns pelo sucesso professor! E muito obrigada. Você é um anjo. Quando meu ex-marido, que é diretor de teatro, soube do sucesso que ia fazer uma peça que o senhor escreveu pra mim, veio correndo me pedir pra voltar. Não sei o que seria de mim sem o senhor. Vou pensar em você todos os dias que for deitar ao lado dele. Nunca vou te esquecer...

Depois de mais receber mais um beijo no rosto, o pobre diabo viu aquela silhueta encantadora esvair-se na penumbra das estreitas passagens dos bastidores do palco.

Enrijecido, excitado, paralisado e incrédulo, Adolfo vivenciava o último ato do seu maior sonho e o tema de seu próximo espetáculo. Como seu mestre, amargava o sabor da vida como ela é.

Até a próxima.
6 Responses
  1. Unknown Says:

    Muito bom!!!!

    A Anita é inspirada em quem??


  2. É uma personagem abstrata, Chico!


  3. Anônimo Says:

    Incrível! Você escreve de forma muito espontanea, simples, contagiante, que prende o leitor a cada vírgula!

    A surpresa final é chocante, surpreendente!

    Continue, você tem poder com as palavras, elas te pertencem.


  4. Muito obrigado pelos elogios poucos merecidos por mim, Jefferson!
    E parabéns por seu blog.
    Continue visitando a Tribuna e, se puder, divulgando esse nosso espaço.
    Forte Abraço.


  5. Alan Isidio Says:

    Podia ter um maracanã lotado, mas se um único torcedor não aplaudisse sua obra, de nada teria adiantado, estaria derrotado.

    Como seu mestre, Adolfo não terminou feliz. O maracanã estava lotado, mas havia um único torcedor que não o aplaudiu, o mais importante de todos, que fez seu coração bater pela metade e estilhaçar o vidro que revestia seus desejos, agora confundidos com ar, a fumaça que era. Seu nome é Adolfo, o autor.

    Longos 18 meses chegavam ao fim e com eles a sua esperança daquilo que nunca fora seu, sua Anita. Com outro tema na cabeça, será Anita ainda fruto de inspiração e agora, somente agora, sim, e com propriedade, pode ele chamá-la de sua, pois permanecerá aprisionada eternamente sob a luz âmbar dos refletores dos teatros, onde suas peças jamais deixarão de estar. Todas as noites.


  6. Querido Sr. Isidio,
    Seu comentário aqui nesta humilde Tribuna muito me honra.
    Você é tão cheia de luz própria e talento que consegue fazer de um simples comentário uma pequena obra de arte.
    Será que o Adolto realmente terá peças inspiradas no mesmo tema e, então, poder chamar Anita de sua?
    Você acabou de me dar uma ideia.
    Veremos...
    Abs